sexta-feira, junho 1

Não Quero Atormentar seu Ser, e Sim, Matá-lo! – C. S. Lewis




1. Quanto preciso sacrificar de mim mesmo? 


E comum, antes de nos tornarmos cristãos, pensarmos da seguinte maneira: tomamos como ponto de partida nosso simples ser, com todos os seus desejos e interesses; em seguida, admitimos que algo mais — "moralidade", "comportamento correto" ou "o bem social" — requer atenção desse eu — exigências que interferem nos desejos. O que queremos dizer com "ser bom" é cumprir essas exigências. Algumas das coisas que o simples eu gostaria de fazer acabam sendo o que chamamos "errado": por isso, precisamos abandoná-las. Outras coisas são as que chamamos "certas": portanto, precisamos cumpri-las. 


Contudo, temos a esperança de que, depois de todas as exigências serem cumpridas, o pobre eu natural ainda terá chance — e talvez tempo — de retomar a vida de sempre e fazer o que gosta. Na verdade, somos muito parecidos com o cidadão honesto que paga impostos. Ele paga todos os impostos corretamente, mas espera sobrar alguma coisa com que viver. Isso porque nosso ponto de partida continua sendo nosso ser natural. 

2. Dois resultados 

Enquanto pensamos assim, uma de duas possibilidades acontece: ou desistimos de tentar ser bons ou nos tornamos completamente infelizes. Não se engane: se você quer de fato atender a todas as exigências feitas ao ser natural, não sobrará nada para viver. Quanto mais você obedece à sua consciência, mais ela exige de você. Nosso ser natural, faminto, impedido e preocupado a cada momento, tornar-se-á cada vez mais odioso. 

No final, você acabará desistindo de esforçar-se para ser bom ou então será uma daquelas pessoas que, como se diz, "vive para os outros", mas sempre descontente e murmurando, sempre pensando por que os outros não a notam mais e sempre se fazendo de vítima. Se isso acontecer, você será um incômodo muito maior para os que vivem à sua volta do que se permanecesse assumidamente egoísta. 

3. Mais difícil e mais fácil 

A vida cristã é diferente. De certo modo é mais difícil; de outro é mais fácil. Cristo diz: "Dê-me tudo. Não quero tanto de seu tempo, de seu dinheiro e de seu trabalho: quero você. Não desejo atormentar seu ser natural, e sim matá-lo. Nenhuma meia medida é boa. Não quero cortar um galho aqui e outro ali. Desejo derrubar a árvore toda. Entregue todo seu ego natural, todos os desejos, tanto os que você acha inofensivos quanto os maus — o conjunto todo. Em troca, darei a você um novo ser. Na verdade, entregarei meu próprio ser a você: minha vontade se tornará a sua vontade". 

Isso é mais difícil e também mais fácil que aquilo que estamos tentando fazer. Espero que você tenha notado que o próprio Cristo às vezes admite que a vida cristã é muito difícil, mas às vezes a considera muito fácil. Ele diz: "Tome a sua cruz". É como ser espancado até a morte num campo de concentração. No minuto seguinte, ele diz: "O meu jugo é suave e o meu fardo é leve". Ele quer dizer uma coisa e outra, e é fácil entender, porque ambos os aspectos são verdadeiros. 

4. O maior perigo 

Os professores dizem que o aluno mais preguiçoso da sala sempre é aquele que, no fim, terá de se esforçar mais. Eles falam sério. Digamos que você peça a dois alunos para resolver uma proposição de geometria. O que estiver disposto a enfrentar desafios tentará entender a proposição. O aluno preguiçoso tentará decorá-la, pois no momento é o que exige menos esforço. Seis meses depois, entretanto, quando estiverem estudando para o exame, o aluno preguiçoso gastará horas de trabalho enfadonho sobre questões que o outro aluno em poucos minutos entende e desfruta. 

A preguiça significa mais trabalho no longo prazo. Veja também desta outra maneira. Numa guerra ou na escalada de uma montanha, há sempre algo que exige determinação, mas também, no longo prazo, é a coisa mais segura. Se você se acovarda, mais tarde irá deparar com um perigo muito maior. A atitude mais covarde sempre é a mais perigosa. 

5. A coisa quase impossível 

Assim funciona a vida cristã. Entregar todo o seu ser — todos os seus desejos e todas as suas precauções — a Cristo é algo terrível, quase impossível; contudo é muito mais fácil que aquilo que estamos tentando fazer. O que estamos tentando fazer é continuar a ser "nós mesmos", para preservar nossa felicidade pessoal como o principal objetivo da vida e, ao mesmo tempo, ser "bons". Tentamos deixar a mente e o coração seguir seu caminho, voltados para o dinheiro, o prazer e as ambições, acreditando, apesar disso, que nos conduziremos de modo honesto, simples e humilde. 


Foi exatamente contra isso que Cristo advertiu. Conforme ele disse, um espinheiro não produz figos. Se eu fosse um campo onde não houvesse nada além de semente de grama, não poderia produzir trigo. Corta a grama eu poderia mantê-la baixa, mas continuaria produzindo grama, não trigo. Se eu quiser produzir trigo, a mudança precisa ser mais profunda. Preciso ser arado e semeado outra vez.

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